A Justiça de Mato Grosso condenou o Município de Luciara a encerrar o lixão a céu aberto usado para descarte de resíduos urbanos e a implantar, em até seis meses, um aterro sanitário licenciado e um sistema adequado de gestão de resíduos sólidos. A decisão é do juiz substituto Luis Otávio Tonello dos Santos, da 2ª Vara de São Félix do Araguaia, que julgou procedente a ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Estado (MPE).
Na sentença, o magistrado ratifica a liminar já concedida em grau de recurso e afirma que ficou comprovado o dano ambiental decorrente do despejo de lixo em área não licenciada, conhecida como “lixão”, em desacordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010) e com a legislação estadual. O município, segundo o juiz, descumpre sua obrigação constitucional de garantir um meio ambiente ecologicamente equilibrado e de prestar o serviço adequado de coleta e destinação de resíduos.
O caso chegou ao Judiciário após o MPE instaurar Inquérito Civil para apurar a destinação final do lixo em Luciara. Vistoria técnica da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA), registrada no relatório nº 15 DUDVR/2015, constatou que a área de aproximadamente seis hectares, usada há mais de dez anos para descarte, não possui isolamento e recebe resíduos domésticos, carcaças de animais, pneus, ferragens, entulhos de construção e galhadas, além de sinais de queima de lixo. Sacolas plásticas se espalham pela pastagem vizinha e o recurso hídrico mais próximo está a cerca de dois mil metros do local.
O relatório também identificou a presença de adultos e crianças trabalhando clandestinamente no local, bem como proliferação de vetores, como insetos, roedores e aves, o que, segundo o Ministério Público, representa risco à saúde pública e potencial contaminação do solo, do ar e das águas subterrâneas. Para o juiz, o conjunto das provas demonstra que os resíduos têm sido depositados a céu aberto, “em condições inadequadas, expondo o meio ambiente a uma poluição que pode se tornar irreversível no futuro”.
Em contestação, o Município de Luciara alegou que possui pouco mais de dois mil habitantes, produz “lixo mínimo” e que a poluição seria “insignificante”. Sustentou ainda dificuldades financeiras, responsabilidade compartilhada com a população e ausência de prova do dano ambiental, que estaria no campo do “achismo”. O magistrado rejeitou os argumentos.
Ao analisar as alegações, o juiz destacou que os laudos da SEMA possuem presunção de veracidade, em razão da fé pública dos agentes ambientais, e que o município não conseguiu apresentar provas técnicas capazes de afastar as conclusões da vistoria. Com base na Súmula 618 do Superior Tribunal de Justiça, aplicou a inversão do ônus da prova em favor da proteção ambiental, seguindo o princípio do “in dubio pro natura”: em caso de dúvida, prevalece a proteção ao meio ambiente e à saúde da população.
Na fundamentação, a sentença cita o artigo 225 da Constituição Federal, que garante a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, e o artigo 196, que trata do direito à saúde. Lembra ainda que cabe aos municípios organizar e prestar o serviço de coleta e destinação de resíduos (artigo 30, inciso V, da Constituição), em consonância com a Política Nacional de Resíduos Sólidos e a Política Estadual de Resíduos Sólidos (Lei nº 7.862/2002), que visam à erradicação dos lixões urbanos.
O juiz também invoca o artigo 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981, que estabelece a responsabilidade objetiva do poluidor — público ou privado — pela reparação de danos ambientais, e o artigo 3º, IV, da mesma lei, que inclui entes públicos no conceito de poluidor. “O Município de Luciara provocou o dano ambiental descrito na inicial, com o lançamento de resíduos sólidos ao ar livre, em inobservância às diretrizes das políticas nacional e estadual”, registra a decisão.
Tonello dos Santos ressalta que dificuldades orçamentárias não afastam o dever de cumprir a Constituição e a legislação ambiental. Na visão do magistrado, o Judiciário pode e deve intervir quando o Poder Público deixa de implementar direitos fundamentais, sem violar o princípio da separação dos poderes. Ele observa ainda que, embora o município tenha aprovado a Lei Municipal nº 702/2018, sobre política de saneamento básico, não demonstrou nenhuma providência concreta para regularizar a situação do lixão desde o ajuizamento da ação, em 2018.
Ao decidir, o juiz afasta a aplicação de multa diária contra o município em caso de descumprimento, por entender que a penalidade recairia sobre recursos públicos e acabaria punindo a própria sociedade. Em vez disso, determina que, se as obrigações não forem cumpridas no prazo, os autos sejam remetidos ao Ministério Público para apuração de eventual responsabilidade pessoal do gestor, nos âmbitos penal, cível e de improbidade administrativa.
A sentença impõe um conjunto de obrigações com prazo de seis meses para execução. O município deve se abster de depositar resíduos em área não licenciada e: construir, com base em estudo de impacto ambiental (EIA/RIMA) licenciado pela SEMA, um aterro sanitário para depósito de resíduos; apresentar e executar projeto de serviços de limpeza e coleta de resíduos sólidos urbanos, com detalhamento da estrutura física e de pessoal; elaborar e colocar em prática um programa de educação ambiental voltado ao gerenciamento de resíduos; remover os resíduos hoje depositados no lixão; e recuperar ambientalmente a área degradada, seguindo as orientações técnicas do órgão ambiental estadual.
Caso seja demonstrada a inviabilidade de construção de aterro no município, a decisão exige que Luciara apresente, com aprovação da SEMA, outra solução adequada para destinação final do lixo, como forma de evitar a continuidade do dano.
Sem condenação em custas e honorários, nos termos da Lei nº 7.347/1985, a sentença reforça o entendimento de que a manutenção de lixões não é mais tolerada pelo ordenamento jurídico e de que pequenos municípios também devem se adequar às normas de gestão de resíduos sólidos. O Município de Luciara ainda pode recorrer, mas, na prática, passa a ter um prazo definido e obrigações claras para mudar a forma como lida com o lixo produzido pela população.











