A 2ª Vara Criminal de Cuiabá autorizou a emissão de carteiras de visitante para a mãe e a esposa de Sandro Silva Rabelo, conhecido como Sandro “Louco”, e determinou que ele seja retirado do Raio 8 da Penitenciária Central do Estado (PCE), setor de segurança extrema cuja rotina, na prática, reproduz as regras do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). Condenado a mais de 215 anos de prisão e apontado em relatórios de inteligência como “presidente” de uma organização criminosa em Mato Grosso, Sandro vinha sendo mantido em condições de isolamento consideradas pelo próprio Judiciário como equivalentes a um RDD de fato, mas sem decreto específico nesse sentido.
A decisão, assinada pelo juiz Geraldo Fernandes Fidelis Neto, é proferida em processo de execução da pena e analisa dois temas centrais: o direito de visita familiar e a legalidade da permanência do preso no Raio 8, setor projetado para custódia de detentos de alta periculosidade. O magistrado reconhece a gravidade do histórico de Sandro e as suspeitas de que ele seguiria exercendo “comando direto” sobre ações da facção mesmo de dentro da unidade, com uso de celulares clandestinos, articulação de motins, lavagem de dinheiro e apoio de familiares e advogados. Mas destaca que a resposta estatal deve respeitar limites constitucionais e legais.
No voto, Fidelis Neto lembra que, embora o colegiado que atua com base na Lei 12.694/2012 tenha homologado, de forma provisória, a inclusão de Sandro no Raio 8 diante de um “grave quadro estrutural” da PCE, não houve decreto formal impondo RDD. Ainda assim, as condições impostas naquele setor replicariam o regime excepcional previsto no artigo 52 da Lei de Execução Penal, caracterizado por isolamento em cela individual, restrição máxima de visitas e controle rígido da rotina. Para o juiz, isso cria um “regime disciplinar diferenciado de fato, embora não de direito”, o que só poderia ser mantido com decisão expressa e devido processo legal.
A Secretaria de Justiça (Sejus) informou ao juízo que é “materialmente impossível” garantir no Raio 8 direitos básicos como visita íntima, em razão da arquitetura do setor, do modelo de segurança e da lotação das celas, ocupadas em duplas. Na prática, o espaço foi desenhado para presos classificados como de altíssimo risco, sem estrutura para flexibilização das regras sem comprometer os protocolos de segurança. Diante desse quadro, o juiz concluiu que não há mais justificativa jurídica para manter Sandro ali sem decreto específico de RDD e sem a adequação das condições às previstas para os raios comuns.
Ao determinar a transferência imediata do preso para um raio de convívio compatível com o regime de pena, o magistrado afirma que a manutenção da custódia no Raio 8, nas condições atuais, “torna-se manifestamente ilegal” e viola princípios como devido processo legal, legalidade, dignidade da pessoa humana e proibição de tratamento desumano ou degradante. Ele ressalta que todos os detentos colocados naquele setor nas mesmas condições que Sandro “seguirāo a mesma sorte”, ou seja, também deverão ser remanejados.
A decisão também enfrenta uma longa disputa em torno do direito de visita. A defesa de Sandro pedia a expedição de Carteiras Individuais de Visitante (CIV) para a mãe, Irene Pinto Rabelo Holanda, e para a esposa, Thaisa Souza de Almeida Silva Rabelo. Ao longo do processo, o juízo havia negado o pedido, amparado em ações penais por organização criminosa e lavagem de dinheiro nas quais as duas figuravam como rés. Liminares em mandados de segurança concederam visitas extraordinárias em parlatório, mas a emissão das carteiras seguia travada por pareceres administrativos da Secretaria de Administração Penitenciária.
Com base em sentença mais recente, o juiz registra que Irene foi absolvida por falta de provas, enquanto Thaisa foi condenada a pena inferior a quatro anos, em regime semiaberto, decisão ainda sem trânsito em julgado. Para Fidelis Neto, a absolvição da mãe e a situação da esposa — sem condenação definitiva e com pena branda — não justificam a negativa automática de visitas. Ele cita a Lei de Execução Penal, tratados internacionais de direitos humanos e o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual nem mesmo o fato de o visitante estar cumprindo pena em regime aberto ou em livramento condicional impede, por si só, o exercício do direito de visitar pessoa presa.
O magistrado enfatiza que o direito de visita familiar é expressão da dignidade humana e instrumento de reintegração social, não podendo ser restringido de forma perpétua ou mecânica apenas pela existência de processo ou condenação sem avaliação de risco concreto e atual para a segurança da unidade. Ele destaca ainda que a própria administração penitenciária informou não haver impedimento objetivo para o credenciamento de Thaisa, desde que obedecidos os requisitos da instrução normativa interna.
Por isso, a decisão acolhe o pedido da defesa e autoriza a confecção e expedição das carteiras individuais de visitante para Irene e Thaisa, devendo a PCE observar os protocolos de segurança e as regras internas. O juiz, contudo, ressalta que tanto a autorização de visitação quanto eventual retorno de Sandro a um setor de segurança máxima poderão ser reavaliados a qualquer tempo, caso surjam fatos novos que indiquem risco à ordem pública, à disciplina interna ou à própria integridade do sistema prisional.
Mesmo reconhecendo que relatórios de inteligência da Polícia Civil e da administração penitenciária apontam Sandro como figura central de facção criminosa em Mato Grosso — com envolvimento em planejamento de motins, lavagem de dinheiro e uso de advogados para transmitir ordens extramuros — o juiz frisa que tais elementos não autorizam, por si só, a criação de um “RDD informal” indefinido, à margem das garantias legais. A resposta penal, reforça, deve combinar firmeza no combate ao crime organizado com respeito às balizas da execução penal e dos tratados de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário.
Vale destacar que, na prática, a decisão não representa um abrandamento da pena de Sandro “Louco” nem afasta a possibilidade de medidas mais duras no futuro, inclusive um eventual decreto formal de Regime Disciplinar Diferenciado, se preenchidos os requisitos legais. Mas impõe ao Estado o dever de adequar o tratamento dado ao preso às regras da Lei de Execução Penal, garantindo o direito de visitas familiares e afastando a manutenção, por tempo indefinido, em um regime de isolamento extremo sem respaldo específico da Justiça.











