A Justiça de Mato Grosso extinguiu, por prescrição, a ação civil pública em que o Ministério Público cobrava o ressarcimento de R$ 5,85 milhões aos cofres do município de Alto Araguaia, em razão de um termo de parceria na área da saúde firmado com o Instituto Creatio entre 2009 e 2010. A sentença é do juiz Daniel de Sousa Campos, da 1ª Vara de Alto Araguaia.
A ação foi ajuizada contra o ex-prefeito Alcides Batista Filho e o Instituto Creatio, apontado como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) contratada para desenvolver programas de governo na saúde. Segundo o Ministério Público, o Termo de Parceria nº 01/2009 teria servido, na prática, para intermediar mão de obra de médicos e outros profissionais já vinculados ao município, mediante a cobrança de encargos operacionais considerados abusivos e sem a devida prestação de contas.
Com base em inquérito civil e no Relatório Técnico nº 405/2019 do Centro de Apoio Operacional, o Ministério Público estimou inicialmente o dano em R$ 934,8 mil, sendo R$ 799,5 mil em “encargos operacionais” sobre contratos com pessoas jurídicas e R$ 135,3 mil em superfaturamento sobre a folha CLT. Atualizado, o valor chegaria a R$ 5,85 milhões. O pedido, porém, limitou-se ao ressarcimento, sem requerer condenação por atos de improbidade administrativa.
Na sentença, o juiz rejeitou preliminar de nulidade da citação do Instituto Creatio, levantada pela defesa de Alcides. A alegação era de que a citação por edital seria inválida porque o representante da Oscip estaria atuando em outro processo judicial. O magistrado registrou que foram feitas diversas tentativas de localização em endereços de Brasília e Goiânia, consultas a sistemas como Infojud e Sniper e que todas as diligências foram infrutíferas, o que justificou o uso do edital, nos termos do artigo 256, II, do Código de Processo Civil.
Superada a questão processual, o juiz analisou o pedido de julgamento antecipado feito pelo Ministério Público, pelo município e pelo próprio Instituto Creatio (por meio da Defensoria Pública). Para Daniel de Sousa Campos, a opção do autor pelo julgamento imediato implicou preclusão lógica do direito de produzir novas provas, afastando alegações posteriores de cerceamento de defesa.
Ao enfrentar o mérito, o magistrado destacou que o Ministério Público enquadrou as condutas nos artigos 9º e 10 da antiga Lei de Improbidade Administrativa, falando em enriquecimento ilícito e dano ao erário, mas não pediu a condenação dos réus por improbidade, apenas o ressarcimento. Nessa condição, aplicou a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que restringe a imprescritibilidade às ações de ressarcimento fundadas em ato doloso já tipificado e reconhecido como improbidade administrativa.
O juiz citou precedentes do STF (Temas 897 e 666 de repercussão geral) e decisões recentes do STJ e de tribunais estaduais para afirmar que, “inexistindo declaração do caráter de improbidade do ilícito causador do dano, a prescrição incide conforme as regras ordinárias”, ou seja, o prazo de cinco anos do Decreto 20.910/32. Como os fatos remontam a 2009 e 2010 e a ação só foi proposta cerca de 14 a 15 anos depois, concluiu pela prescrição da pretensão ressarcitória.
Mesmo admitindo, em tese, a possibilidade de análise incidental de ato ímprobo em ações de ressarcimento, o magistrado registrou que o conjunto probatório não demonstrou o dolo específico exigido pela Lei 14.230/2021 para condenação por improbidade.
Os relatórios técnicos apontaram que a Oscip cobrou 84% de “custo operacional” sobre a folha CLT, quando o Tribunal de Contas do Estado indicara percentual máximo de 56,64%, e 32% sobre contratos com pessoas jurídicas, sem comprovação de onde foram aplicados R$ 799,5 mil. Para o juiz, porém, embora tais dados revelem possíveis irregularidades administrativas e falhas de gestão e fiscalização, não há prova de que o ex-prefeito ou os dirigentes do Instituto Creatio tenham agido com intenção deliberada de desviar recursos ou obter vantagem patrimonial indevida.
Ele ressaltou que não foram apresentados extratos bancários, registros de transferências ou outros documentos que demonstrassem benefício pessoal a Alcides ou aos representantes da Oscip. A contratação do instituto, segundo a sentença, foi apresentada como tentativa de solucionar problemas concretos de gestão de pessoal na saúde municipal, e a mera diferença de percentuais ou eventual superfaturamento, sem comprovação de má-fé e conluio, não basta para caracterizar ato ímprobo após a reforma da Lei de Improbidade.
Diante desse quadro, o juiz reconheceu a prescrição do direito de ressarcimento invocado na inicial, declarou extinta a ação com resolução de mérito, com base no artigo 487, inciso II, do CPC, e afastou a condenação do Ministério Público em custas e honorários, conforme artigo 18 da Lei 7.347/85.
A sentença foi proferida com remessa necessária ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso, o que significa que, independentemente de recurso das partes, o caso será reexaminado pela segunda instância. Após o trânsito em julgado e cumpridas as formalidades, o processo será arquivado.











