A Vara Especializada da Fazenda Pública de Sinop decidiu extinguir parte da ação de improbidade administrativa movida pelo Ministério Público de Mato Grosso contra o deputado federal Juarez Alves da Costa, ex-prefeito do município, mas manteve o processo em relação à acusação de dano ao erário. A sentença, proferida pelo juiz Mirko Vincenzo Giannotte, tem “efeito parcial”: afasta a imputação baseada em violação a princípios da administração pública, mas determina o prosseguimento da ação quanto ao suposto descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal.
A ação foi proposta em 17 de maio de 2018. O Ministério Público acusa Juarez Costa, à época gestor do Executivo municipal, de ordenar despesas com nomeações e conceder aumento real de salário a servidores da educação quando o município já teria ultrapassado o limite de 54% de gasto com pessoal previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal. Segundo a petição inicial, a conduta se enquadraria, em tese, como ato de improbidade que causa dano ao erário (artigo 10, inciso IX, da antiga Lei 8.429/92) e ato que atenta contra os princípios da administração pública (artigo 11, inciso I).
O processo enfrentou dificuldades logo no início, com tentativas frustradas de citação do então réu, que permaneceu sem ser formalmente citado ao longo dos anos. Em 2023, o juízo de Sinop chegou a declarar a prescrição intercorrente com base nas novas regras trazidas pela Lei 14.230/2021. O Ministério Público recorreu, e o Tribunal de Justiça de Mato Grosso, ao julgar um agravo de instrumento, afastou a prescrição. O acórdão firmou que o novo regime prescricional da Lei 14.230 não retroage, devendo ser aplicado apenas a partir de sua publicação, em consonância com entendimento do Supremo Tribunal Federal.
Na decisão agora proferida, o juiz registra que essa questão está coberta pela coisa julgada: o Tribunal já definiu que não houve prescrição intercorrente e que eventual prescrição só ocorreria em 27 de outubro de 2025, caso não houvesse novo marco interruptivo. Assim, o tema não poderia mais ser rediscutido no processo.
O ponto central da nova sentença diz respeito às mudanças de mérito introduzidas na Lei de Improbidade Administrativa. A Lei 14.230/2021 revogou expressamente o inciso I do artigo 11 da Lei 8.429/92, que tipificava como improbidade o ato praticado com fim proibido em lei ou diverso daquele previsto na regra de competência. Foi justamente esse dispositivo que o Ministério Público havia usado para enquadrar parte da conduta atribuída a Juarez Costa como violação a princípios da administração.
O juiz destaca que a improbidade integra o chamado Direito Administrativo Sancionador, submetido a princípios semelhantes ao do Direito Penal, entre eles a retroatividade da lei mais benéfica. Cita o artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal e precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça que admitem aplicar retroativamente normas mais favoráveis em matéria sancionatória.
Na prática, com a revogação do artigo 11, inciso I, a conduta descrita na inicial deixou de ser tipificada como ato de improbidade naquela modalidade específica. Como não há sentença transitada em julgado, a lei nova mais benéfica deve ser aplicada. O juiz acolhe o pedido do Ministério Público para extinguir essa parte da ação e julga improcedentes os pedidos relacionados ao antigo artigo 11, inciso I, extinguindo o processo com resolução de mérito nesse ponto.
O magistrado também analisa se a petição inicial precisaria ser adaptada às exigências formais da Lei 14.230/2021. Ele conclui que não. Segundo a sentença, a peça foi elaborada em conformidade com a legislação vigente em 2018, descreve detalhadamente os fatos, indica o suposto dolo e as provas pretendidas, e já atende aos requisitos atualmente previstos para ações de improbidade, motivo pelo qual o processo pode seguir normalmente.
Outro tema abordado é a possibilidade de acordo de não persecução civil, instrumento introduzido pela nova lei. O Ministério Público considerou inviável eventual negociação, já que o requerido ainda não foi citado e, portanto, não tomou conhecimento formal dos fatos imputados. O juiz concordou, ressaltando que qualquer acordo pressupõe que o investigado conheça as acusações e possa decidir de forma informada.
Com a extinção parcial da ação, permanece em aberto apenas a imputação de ato de improbidade por dano ao erário, prevista no artigo 10, inciso IX, da Lei 8.429/92, que continua em vigor. Nesse ponto, o Ministério Público sustenta que o então prefeito teria ordenado despesas não autorizadas em lei ou regulamento, ao promover contratações e reajustes em cenário de extrapolação do limite de pessoal previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal.
Na parte dispositiva, o juiz determina tramitação prioritária do processo e manda citar Juarez Costa para apresentar contestação no prazo legal de 30 dias, conforme o rito da Lei de Improbidade. Após a defesa, o Ministério Público será intimado para impugnar os argumentos. Caso a citação volte a ser infrutífera, o órgão deverá se manifestar sobre novas diligências.
A decisão não representa absolvição total do deputado federal, nem condenação. Ela encerra apenas uma das frentes da acusação, baseada em violação a princípios, por força da mudança legislativa, e mantém viva a discussão sobre eventual dano ao erário. A responsabilização de Juarez Costa por improbidade administrativa dependerá do andamento da ação e do julgamento, em momento posterior, da imputação remanescente relacionada às despesas com pessoal.











