A Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado aprovou, nesta quarta-feira (3), por 11 votos a 9, o Projeto de Lei 2.294/2024, que cria o Profimed, o Exame Nacional de Proficiência em Medicina. Conhecido como a “OAB dos médicos”, o exame passará a ser requisito para que graduados obtenham registro profissional e ingressem no mercado de trabalho. A votação ocorreu após um dos debates mais longos e polarizados da comissão neste ano, marcado por divergências sobre a qualidade da formação médica, o papel do Ministério da Educação (MEC) e a atuação do Conselho Federal de Medicina (CFM).
O texto aprovado é o substitutivo apresentado pelo relator, senador Dr. Hiran (PP–RR), que delega ao CFM a responsabilidade pela aplicação da prova, com participação do MEC. Já o voto em separado do senador Rogério Carvalho (PT–SE), rejeitado pela maioria, mantinha o exame, mas atribuía oficialmente ao MEC a condução do processo, prevendo a atuação conjunta dos conselhos profissionais.
O projeto é terminativo na CAS e seguirá para turno suplementar. Se confirmado na comissão, será encaminhado diretamente à Câmara dos Deputados, onde tramita proposta semelhante.
Relator afirma que país vive “crise perigosa” na formação médica
Ao defender o relatório, Dr. Hiran disse que o Brasil enfrenta “a maior degradação da formação médica em 50 anos”, causada pela proliferação desordenada de faculdades sem estrutura adequada. Ele citou casos recentes de erro médico, incluindo a morte de uma criança em Manaus após receber dose incorreta de adrenalina, como exemplo da urgência do exame.
O relator rebateu críticas de que o Profimed puniria apenas alunos, alegando que o texto também estabelece sanções às instituições de ensino com altos índices de reprovação, como suspensão de vestibulares, redução de vagas e metas de readequação. “Não é reserva de mercado. É proteção à vida das pessoas. Estamos condenando cidadãos à morte por incompetência de aparelhos formadores incapazes de preparar médicos”, afirmou.
O principal contraponto ao relatório partiu do senador Rogério Carvalho, que apresentou voto em separado com mudanças estruturais. Ele defendeu que o MEC tem prerrogativa constitucional para avaliar a formação universitária, inclusive com provas no quarto e no sexto anos do curso, e que retirar o ministério da centralidade do processo criaria “choque de competências”.
“Não se melhora a formação apenas com uma prova ao final. É preciso avaliar o estudante durante o curso e responsabilizar instituições que não oferecem campo de prática adequado”, disse. Ele também criticou a “subcategoria” de médicos egressos que ficariam no limbo caso não fossem aprovados.
O senador alertou que o CFM não possui competência legal para aplicar exame nacional de certificação — uma atribuição que, segundo ele, seria criada pela nova lei, alterando o equilíbrio entre as instituições.
Autor do projeto, o senador Astronauta Marcos Pontes (PL–SP) usou analogias com aviação para defender o Profimed. Ele afirmou que a prova funcionaria como um “extintor de incêndio” diante do aumento de escolas de medicina que classificou como “negócios milionários sem garantia de qualidade”.
Segundo ele, o MEC continuará responsável pela formação e avaliação acadêmica, mas cabe ao CFM certificar a capacidade profissional. “Estamos falando de uma profissão que mexe com vidas. Assim como pilotos precisam da certificação da Anac, médicos precisam de avaliação profissional independente”, disse.
Senadores médicos divergem sobre modelo
A CAS também ouviu senadoras médicas, que se dividiram a respeito do texto.
A senadora Dra. Eudócia (PL–AL) defendeu o relatório e considerou o PL uma resposta à “explosão de erros médicos”, citando dados de aumento de 506% em ações judiciais por falhas no atendimento. Para ela, transformar o Enamed, atual avaliação aplicada pelo MEC, em lei dentro do Profimed fortalece o controle de qualidade.
Já a senadora Zenaide Maia (PSD–RN) disse apoiar a existência de exame, mas rejeitou o formato aprovado. Ela afirmou que apenas uma prova final não é capaz de medir competências clínicas e advertiu que delegar o exame ao CFM “fere a competência do Estado e fragiliza o sistema de avaliação”. “Defender a vida não é só defender o exame, é defender investimento em saúde, estrutura e avaliação contínua dos estudantes”, argumentou.
O debate evidenciou consensos e impasses. Há consenso entre os senadores sobre a necessidade de elevar a qualidade da formação médica; urgência de mecanismos para coibir escolas sem estrutura; e a importância de um exame nacional para aferir competências. Contudo, há forte divergência sobre quem deve aplicar o exame (CFM ou MEC); o grau de intervenção sobre instituições de ensino; e o formato da avaliação (prova única x sistema contínuo).
Após horas de discussão, o relatório de Dr. Hiran foi aprovado por 11 votos a 9, sob aplausos da plateia formada por líderes de entidades médicas e estudantes. O presidente da comissão, senador Marcelo Castro (MDB–PI), destacou que as duas propostas eram “muito semelhantes”, diferindo principalmente sobre quem aplicaria a prova, mas reconheceu que o tema seguirá gerando debate dentro e fora do Senado.
O PL passará a turno suplementar na CAS e, em seguida, seguirá para a Câmara dos Deputados, onde deve tramitar em conjunto com o projeto já relatado pelo deputado Dr. Luizinho. Se aprovado, o Profimed criará um novo marco regulatório para acesso à profissão médica no país.










